A HOSPEDAGEM DOMICILIAR DIGITAL: O FENÔMENO JURÍDICO
A PROPOSTA DA OAB-RJ PARA UM MARCO REGULATÓRIO NACIONAL COM APOIO DA OAB FEDERAL, OAB-SP E DOS SECOVIs
OAB-RJ e o projeto para regulamentar hospedagem domiciliar
A hospedagem domiciliar como atividade hoteleira e a destinação original dos edifícios residenciais.
Projeto apresentado pela OAB-RJ pretende regularmente hospedagem domiciliar, como o Airbnb.
A emergência de modelos alternativos de hospitalidade intermediados por plataformas digitais, como Airbnb, Vrbo, Booking, TripAdvisor, entre outras, vem provocando uma profunda reconfiguração das estruturas turísticas, urbanísticas, jurídicas e sociais no contexto brasileiro, colocando em tensão antigos paradigmas do direito urbanístico, do direito do consumidor, da tributação municipal e da função social da propriedade. O crescimento vertiginoso da hospedagem domiciliar, muitas vezes realizada à margem da legislação vigente, revelou um vácuo normativo relevante, que ensejou debates acalorados no meio jurídico, econômico e condominial nos últimos anos. Em 2025, essa discussão ganha novos contornos com a apresentação, pela Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Estado do Rio de Janeiro (OAB-RJ), de uma proposta robusta, tecnicamente fundamentada e constitucionalmente orientada para a regulamentação da hospedagem domiciliar em âmbito nacional.
Trata-se de um projeto jurídico de fôlego, cuidadosamente elaborado por juristas especializados em turismo, direito urbano e relações condominiais, sob a coordenação técnica da Comissão de Turismo da OAB-RJ, em articulação com operadores do setor hoteleiro e representantes da sociedade civil. Tal iniciativa encontra-se protocolada junto ao Ministério do Turismo e visa estabelecer um marco regulatório uniforme para a atividade, garantindo segurança jurídica, equidade fiscal, ordenamento urbano e convivência civilizada entre moradores e turistas. A proposta recebeu imediato acolhimento e apoio formal da OAB Federal e da OAB-SP, além da adesão consultiva dos SECOVIs do Rio de Janeiro e de São Paulo, evidenciando a sua legitimidade interinstitucional e a urgência de sua tramitação legislativa.
A minuta normativa propõe, de forma integrada e sistêmica, a obrigatoriedade de licenciamento específico da atividade de hospedagem domiciliar junto aos órgãos municipais, considerando o zoneamento urbano, o uso permitido em cada edificação e o regramento interno dos condomínios. A atividade, sob essa nova perspectiva legal, somente poderá ser exercida por indivíduos ou empresas que estejam formalmente registrados e regularmente autorizados pelo poder público local, observando os princípios da função social da moradia, da harmonia condominial e da proteção ao sossego e à segurança dos demais residentes.
O texto propõe também a vinculação obrigatória dos ofertantes de hospedagem e das plataformas digitais ao sistema nacional de registro turístico, o Cadastur, gerido pelo Ministério do Turismo, com a finalidade de assegurar rastreabilidade das transações, prevenção de ilícitos, proteção ao consumidor e coleta sistemática de dados para formulação de políticas públicas. Trata-se de um avanço inédito no cenário normativo brasileiro, pois amplia o escopo do Cadastur, historicamente vinculado ao setor hoteleiro formal, para abranger uma categoria híbrida e crescente, cuja informalidade tornou-se fator de evasão fiscal e de insegurança jurídica.
Outro ponto nodal da proposta é a regulamentação da tributação da atividade, com a incidência obrigatória do Imposto Sobre Serviços (ISS) sobre os valores recebidos por anfitriões e intermediadores digitais, à semelhança do que ocorre com hotéis e pousadas convencionais. O objetivo central dessa medida é corrigir assimetrias concorrenciais históricas, garantindo isonomia entre os diversos modelos de negócio e restabelecendo a justiça fiscal. A ausência de cobrança de ISS tem favorecido economicamente a hospedagem informal, em detrimento do setor hoteleiro tradicional, que há décadas cumpre rigorosos protocolos fiscais, sanitários, trabalhistas e urbanísticos.
No que tange à responsabilidade das plataformas digitais, a proposta é ousada e moderna: determina que empresas como Airbnb e Booking se registrem junto ao Cadastur e se tornem corresponsáveis pelo cumprimento das obrigações legais e tributárias dos anfitriões cadastrados. Essa previsão segue a tendência internacional de alocação de responsabilidade solidária às empresas de tecnologia quando estas atuam como agentes ativos na promoção, organização e comercialização de serviços, superando a visão anacrônica que as classificava como meras intermediadoras neutras.
A OAB Federal, ao endossar o projeto da OAB-RJ, declarou que a proposta representa um marco civilizatório e normativo no trato com novas tecnologias aplicadas à urbanidade, à economia e à moradia. A Comissão Nacional de Direito Urbanístico da OAB, em parecer técnico publicado em abril de 2025, afirmou que a regulamentação da hospedagem domiciliar é condição indispensável para a consolidação de uma política urbana inclusiva, sustentável e juridicamente ordenada. A OAB-SP, por sua vez, instituiu um grupo de trabalho multidisciplinar, envolvendo juristas, urbanistas, economistas e sociólogos, para aprofundar o estudo da proposta e adaptá-la à complexa realidade urbana paulista, especialmente em regiões como a capital e o litoral, onde o uso de imóveis para fins de hospedagem temporária tornou-se fonte de litígios permanentes em condomínios.
Os sindicatos da habitação — SECOVI-RJ e SECOVI-SP — posicionaram-se favoravelmente à regulamentação, emitindo pareceres técnicos nos quais destacam os impactos nocivos da ausência de controle sobre a ocupação transitória de imóveis residenciais. As entidades alertam para os riscos à segurança condominial, ao direito à privacidade dos moradores, à descaracterização dos edifícios e à banalização da moradia como mero ativo comercial. A regulamentação é vista, nesse contexto, como instrumento de salvaguarda da função social da propriedade, do bem-estar coletivo e da preservação da finalidade essencial das unidades habitacionais.
Do ponto de vista jurídico-doutrinário, a proposta sustenta-se em fundamentos constitucionais sólidos, tais como a dignidade da pessoa humana, a proteção ao consumidor, a livre iniciativa com responsabilidade, a competência municipal para ordenamento urbano e o princípio da isonomia tributária. Ela avança ao incorporar diretrizes da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), ao prever análise de impacto regulatório, participação popular e efetividade na aplicação das normas. A elaboração do projeto contou com pareceres técnicos de juristas renomados, como Hamilton Vasconcelos, André Luiz Junqueira e Caroline Roque, que analisaram exaustivamente o arcabouço legal vigente, experiências internacionais e jurisprudência relevante.
As projeções para o segundo semestre de 2025 indicam que o projeto será acolhido como proposta legislativa formal, com tramitação prioritária na Câmara dos Deputados. Está prevista a realização de audiências públicas em diversas capitais brasileiras, com transmissão ao vivo e participação digital, bem como a abertura de consulta pública por meio da plataforma “Participa + Brasil”. Espera-se, ainda, a celebração de termos de cooperação entre o Ministério do Turismo, a OAB Nacional, o IBAM, universidades públicas e centros de pesquisa, com vistas à realização de estudos técnicos, mapeamentos urbanos e análises socioeconômicas para embasar a regulamentação.
A regulamentação da hospedagem domiciliar por meio de plataformas digitais não constitui mera escolha legislativa opcional, mas imperativo de adequação normativa diante de uma realidade social complexa, dinâmica e profundamente transformada pelas novas tecnologias. A proposta da OAB-RJ, amplamente respaldada por entidades de peso e respaldada em princípios constitucionais e administrativos, oferece uma resposta institucional à altura dos desafios do nosso tempo. Ela permite que o Brasil avance em direção a um modelo de turismo mais justo, mais sustentável, mais seguro e mais integrado às necessidades reais das cidades e dos cidadãos.
Espero ter ajudado,
Dra. Patrícia Pereira Moreno
OAB Paraná 91.784 /PR
OAB Rio Grande do Sul 110.913A /RS
OAB São Paulo 132.664 /SP
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